Cláudio Ladeira de Oliveira.
Professor de
Direito Constitucional. UFSC
O min. Edson Fachin apresentou ontem, 09 de outubro, seu voto na ADI 6565, movida pelo
Partido Verde contra dispositivos da legislação federal que tratam do processo
de escolha dos reitores das universidades federais. De acordo com as regras atualmente vigentes, compete à comunidade universitária apresentar ao presidente
uma lista tríplice de candidatos à reitoria, cabendo ao presidente da República
a autoridade para escolher o reitor dentre os três integrantes da lista.
No
entanto, de acordo com Fachin, no que foi acompanhado pelo min. Celso de Mello,
o presidente deve obedecer os seguintes requisitos:
“(I)
se ater aos nomes que figurem na respectiva lista tríplice; (II) respeitar
integralmente o procedimento e a forma da organização da lista pela instituição
universitária; e (III) recaia sobre o docente indicado em primeiro lugar na
lista”.
Como
é possível perceber, o ítem III retira do presidente qualquer
discricionariedade no processo de escolha, tornando sem efeito regras definidas
na legislação e no decreto que hoje regulam a matéria. Caso o voto de Fachin
prevaleça no plenário, será uma considerável interferência do tribunal em
matéria de natureza essencialmente política, ainda que sob a justificativa de
preservar a autonomia universitária. Mais uma vez, o STF terá legislado ao
invés de julgar, extrapolando suas competências de “guardião da Constituição”,
agindo como “soberano constituinte”.
Existem
ao menos duas questões que precisamos distinguir:
1) A
legislação deveria permitir ao presidente esse poder de escolha?
2) O
procedimento estabelecido na lei e nos decretos é constitucional?
O
voto de Fachin promove uma confusão típica da hiperjudicialização que
caracteriza a maior parte da jurisprudência e doutrina constitucional
majoritárias nas últimas décadas. Em síntese, Fachin não gosta do procedimento
estabelecido em lei e prefere outras regras, que limitem a discricionariedade
do presidente. A seguir apresenta sua preferência legislativa como se ela
resultasse de uma “interpretação” da constituição, do princípio da “autonomia
universitária”. Aliás, é gozado, mas como observou o cientista político Alberto
Carlos Almeida, o próprio Fachin parece ter mudado radicalmente de idéia desde
2016, quando do julgamento do MS 31771 afirmou a tese de que a
discricionariedade da escolha presidencial é perfeitamente constitucional.
O
fato é que não há absolutamente nada no texto da Constituição que proíba o
modelo atualmente definido na legislação. O texto constitucional, no art. 207 caput,
estabelece que “as universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial”. Ora, não é possível
interpretar esse enunciado como sinônimo de “total independência política para
a escolha de seus dirigentes”, que é o que de fato o voto de Fachin ao final
estabelece. Afinal, uma universidade pode gerir seus assuntos de forma “autônoma”,
ainda que no processo de escolha de seus dirigentes a opção de gestores diretamente
eleitos pelo povo possua algum peso.
De
todo modo, Universidades Federais não são “poderes de Estado” e a autonomia de
gestão dos recursos públicos e a liberdade de cátedra não são conceitualmente
sinônimos de “soberania política”. Na verdade, mesmo um poder de Estado como o
Judiciário não é imune à “interferência” do presidente da República, vide a
autoridade do Presidente e do Senado quanto à composição do próprio Supremo
Tribunal Federal. Ainda que minha posição pessoal seja a de que o presidente
deve indicar o primeiro colocado nas listas tríplices, se o STF deseja mesmo
atuar como “guardião” da Constituição – e não como um soberano que estabelece a
constituição de sua preferência – então o tribunal deveria respeitar as regras
constitucionais que reservam ao congresso nacional a competência para legislar
sobre essa matéria. Na verdade, penso que deveríamos inclusive discutir a reforma do processo de escolha para incluir o Senado Federal no processo de escolha. Mas isso, obviamente, deve ser feito pela vista legislativa e não pela usurpação judicial de competências legislativas. Afinal, a legitimidade democrática é também um valor a ser promovido, certo?
Por
fim, não devemos ignorar o risco sempre implícito nesse tipo de altruísmo
judicial: o risco de que o tribunal - ainda que de boa-fé - se aproprie de uma
pauta “do bem”, “progressista”, para reforçar o já descomunal poder político
que o sistema judiciário detém no Brasil. Afinal, se representantes eleitos
pelo povo estão inteiramente subordinados, sem qualquer margem de escolha, às decisões de setores da burocracia pública (as universidades), por que não
estariam também obrigados a respeitar as escolhas de listas similares do poder
judiciário e ministério público? Em tal caso, uma bandeira “democrática” (a
autonomia universitária) estaria sendo apropriada para reduzir ainda mais os
escassos mecanismos de responsabilização democrática que a Constituição
estabeleceu para os poderes de Estado, promovendo arbitrariamente uma maior
elitização dessas instituições.
Leia o voto do min. Fachin aqui
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