Cláudio Ladeira de Oliveira
Professor de Direito Constitucional, PPGD/UFSC
O ministro do STF Luís Fux afirmou hoje que acredita que o tribunal por ele presidido provavelmente será o arbitro final da decisão sobre a vacinação contra a covid-19. As palavras de Fux:
"Podem escrever, haverá uma judicialização, que eu acho que é
necessária, que é essa questão da vacinação. Não só a liberdade individual,
como também os pré-requisitos para se adotar uma vacina" (veja a reportagem aqui)
Se a afirmação do ministro fosse uma
mera previsão de que o STF julgará ações sobre o tema, ele teria toda razão.
Afinal, nada mais esperado que inúmeras ações sejam propostas, sobretudo devido
à conjunção de dois fatores: a ampliação das competências políticas da Corte,
que às vezes decide como se fosse uma assembleia constituinte permanente, e o
gigantesco conflito político surgido a partir da pandemia. Algumas ações já
tramitam na corte (veja aqui), uma delas por exemplo pleitea que o tribunal obrigue o governo
federal a adquirir determinada vacina. Um pedido que exemplifica bem o ambiente,
surgido nas ultimas décadas, de hiperjudicialização das mais variadas questões
políticas minimamente relevantes.
No entanto, Fux não se limita a
constatar uma obviedade. A sugestão de que, em sua opinião, a judicialização da
matéria é necessária para fixar os critérios de vacinação sugere que o tribunal
poderá, mais uma vez, extrapolar as competências de “guarda” da Constituição e
atuar como um gestor-legislador onipotente. Como toda crise oferece oportunidades, o conflito federativo em torno da vacinação permite à Corte ampliar informalmente ainda mais suas competências
políticas, que já são imensas. Oferece também uma bandeira e tanto: proteger a saúde pública promovendo a vacinação e combatendo a pandemia.
Mas se por um lado é inevitável que um conflito dessa natureza demande uma decisão do tribunal, por outro é fundamental que a Corte procure decidir observando os limites de suas competências institucionais. Por isso, ao invés de reivindicar para si os poderes de gestão da saúde pública nacional, o STF deveria se limitar a identificar qual é a competência dos entes federados nesta matéria. Por exemplo, uma possível decisão seria reconhecer a autoridade dos governos estaduais para a aquisição da vacina e fixação dos critérios de vacinação, inclusive a eventual obrigatoriedade. Uma tal posição seria coerente com as decisões tomadas pelo tribunal logo nos meses iniciais da pandemia, nas ações constitucionais que discutiam exatamente o conflito de competências entre a União, Estados e Municípios para adotar medidas de enfrentamento da pandemia, em especial a ADI 6341/DF e a ADPF 672/DF. À época, eu e o colega Guilherme Soares redigimos um pequeno artigo (“Federalismo Emergencial em Construção”), no qual afirmamos que essa era a tarefa da corte e não “ponderar” valores abstratos como “proteção à saúde” e “preservação da economia”, definindo assim as medidas de enfrentamento. Portanto, o tribunal deveria se limitar a “definir quem detém autoridade política para decidir.” O mesmo segue valendo agora.
Ainda na mesma entrevista, Luís
Fux fez outra afirmação digna de nota: "meu sonho é fazer com que o
Supremo volte ao respeito da época de Victor Nunes Leal, dos grandes juristas,
Sepúlveda Pertence.” É um projeto que, se concretizado, faria bem ao tribunal e
ao país. Mas se Fux é mesmo fiel a esse sonho, então deveria dirigir seus
esforços para que o tribunal adote uma postura institucional de autocontenção ao
decidir sobre matérias de políticas públicas, uma característica marcante
daquela corte e dos ministros citados. Afinal, para ser respeitado como um
tribunal, é necessário que a instituição não se comporte como legislador-gestor
universal. E quanto a isso, a crise oferece uma excelente uma oportunidade,
pois permite que a Corte adote uma postura de auto-contenção, reconhecendo as competências
dos entes federados para o enfrentamento da pandemia, sem no entanto impor ela
própria políticas públicas de sua preferência
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